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Uma voz se levanta

27 de novembro de 2020

Divulgação

_Thaís-Wyara

Infelizmente, agora podemos comparar. Carrefour, a mesma rede que: teve um segurança que agrediu um cachorro até ele morrer, escondeu o corpo de um funcionário que veio a falecer para não ter que fechar e que agora teve dois seguranças espancando um homem negro até a morte. E, agora, podemos comparar nos três casos, a comoção e o nível dos comentários.

E o que podemos constatar é triste demais. Quando o cachorro morreu, estivemos todos ao lado da mesma causa. Contra o maus-tratos aos animais. Ninguém quis dizer que aquilo aconteceria mesmo se ele fosse um cachorro de raça, o famoso cachorro de madame. Todos entenderam que o fato de ele ser um vira-lata de rua foi o motivo principal do segurança se sentir livre para matá-lo.

Agora o que vemos são muitas pessoas falando que não foi racismo, que isso poderia acontecer com qualquer um. Segundo o depoimento dos seguranças, o espancamento foi motivado por um gesto obsceno que ele fez para uma funcionária. Agora paremos para pensar, será que no Brasil, em outros supermercados Carrefour, ele foi o único cliente a se comportar de forma mal-educada? É claro que eu não queria que nenhum cliente se comportasse assim, mas existe, infelizmente – essa versão dos seguranças está sendo questionada pela investigação, vale ressaltar.

Gente, o João Alberto apanhou até morrer. Temos esportes voltados para a luta corporal, onde homens e mulheres se batem e ninguém sai extremamente ferido. Desde crianças somos expostos a brigas por aí, eu mesma já presenciei algumas bem violentas e mesmo assim o resultado não foi esse. Então eu fico imaginando o tamanho da brutalidade que alguém tem que impor à outra para que ela venha a falecer depois de socos e chutes desferidos, e para impor essa brutalidade tem que ter muito ódio pela pessoa. E como se odeia alguém que não se conhece? Só se pode odiar a ideia do que ela é. E, infelizmente, negros morrem por essa ideia, pela ideia que somos mais violentos, ideia que temos mais chances de ser envolvidos com coisas criminosas e a ideia que temos que ser aniquilados. É um fato, se fosse um homem branco ali, ele seria encaminhado para a polícia.

Agora eu tenho que engolir gente colocando culpa na vítima, dizendo que todas as vidas importam. Que somos iguais. Há pessoas que perdem a hora de calar a boca e de engolir as próprias palavras indigestas. Só esse ano quantas vezes você teve que dizer que todas as vidas importam quando um negro morreu ou foi assassinado? E quantas vezes mais você vai repetir essa frase até ver que você só a utiliza quando um negro foi assassinado? Quantos mais morrerão para servir de bode expiatório para sua consciência mudar e você entender como funciona a luta antirracista?

E outra dúvida que fica: o que acontece nessa rede para que os casos absurdos se repitam? Será o treinamento ou a falta dele? Ou existe algum regimento que apoie esse tipo de coisa acontecer? Eu estava feliz esses dias sabendo que minha cidade pequena ia receber um mercado dessa rede, mas agora como vou poder receber esse nome na cidade que eu nasci sem pensar que um dos nossos morreu? Sem pensar que poderia ter sido qualquer um dos meus? Poderia ser meu pai, meu irmão, meu marido. Esse na verdade é o principal motivo que lutamos, para que não haja próximas vítimas.

Enfim, um longo desabafo, porque cansa ler o que a gente lê, cansa viver o que a gente vive, cansa morrer o tanto que a gente morre a cada dia.

Por Thaís Wyara

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